Em 2006, a equipe do cineasta Eduardo Coutinho colocou um anúncio num jornal, procurando por mulheres que tivessem histórias para contar e se dispusessem a participar de um teste para cinema. Oitenta e três entrevistas foram realizadas, das quais vinte e três foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha. Posteriormente, atrizes foram chamadas para dar sua interpretação às histórias contadas pelas entrevistadas.
Jogo de Cena tem um dos melhores títulos já dados a um filme, porque é exatamente a isso que se propõe: criar um jogo de interpretação onde a fronteira entre realidade e atuação muitas vezes não é perceptível. Não é ficção nem documentário e sim um híbrido dos dois. Alguns relatos são intercalados entre entrevistada e atriz, em outros não fica claro a princípio quem está em cena. Grande destaque para a cena da mulher que conta sua experiência com o despachante rodoviário na Praça da Sé. Excelente. Algumas coisas ditas pelas atrizes parecem ser experiências pessoais, como a ida de Fernanda Torres ao terreiro de Candomblé e a saudade de Andréa Beltrão de sua antiga babá. Será? Foi um comentário da atriz ou ela estava interpretando algum relato?
Então esse jogo acaba envolvendo também o espectador e aguçando sua curiosidade. Aquilo é realidade encenada ou interpretação? E quando alguém conta um fato - mesmo sendo verdadeiro - diante de uma câmera, essa pessoa não estaria, de certa forma, interpretando? São estas questões conceituais e filosóficas que elevam para outro patamar um filme que, a princípio, parece menos atraente do que os outros longas de Coutinho.
Jogo de Cena é um pouco prejudicado pelo fato de algumas das histórias relatadas não serem muito interessantes. Eduardo Coutinho é um exímio entrevistador e tem um jeito amável e descontraído de deixar seu convidado à vontade, o que faz com que ele sempre extraia o melhor de cada um. Mas, ainda assim, os relatos estão longe de ter a pungência dos mostrados em Edifício Master, só para citar um exemplo de outro filme de Coutinho. E isso causa um certo estranhamento, já que originalmente eram oitenta e três histórias que foram reduzidas a vinte e três. Qual terá sido o critério adotado? Ou será que o relato em si não importava e o foco era selecionar as passagens que representassem, de algum modo, maior desafio às atrizes?
Um dos grandes momentos do filme mostra Fernanda Torres “saindo” do personagem para falar sobre sua dificuldade em interpretar uma pessoa real. Muito sincera e avessa a estrelismos, a atriz fala sem rodeios ou pudores sobre seus próprios bloqueios. É em momentos como este que o filme cresce em densidade e entendemos porque Fernanda é uma grande atriz.
No geral, Jogo de Cena é um bom filme. E suas maiores qualidades vêm do que não é visto, ou seja, do conceito, do que não está em cena.
Jogo de Cena (idem), de Eduardo Coutinho, Brasil, 2006. 103’
Première Brasil / Hors-Concours
Nota : 7,5
Jogo de Cena tem um dos melhores títulos já dados a um filme, porque é exatamente a isso que se propõe: criar um jogo de interpretação onde a fronteira entre realidade e atuação muitas vezes não é perceptível. Não é ficção nem documentário e sim um híbrido dos dois. Alguns relatos são intercalados entre entrevistada e atriz, em outros não fica claro a princípio quem está em cena. Grande destaque para a cena da mulher que conta sua experiência com o despachante rodoviário na Praça da Sé. Excelente. Algumas coisas ditas pelas atrizes parecem ser experiências pessoais, como a ida de Fernanda Torres ao terreiro de Candomblé e a saudade de Andréa Beltrão de sua antiga babá. Será? Foi um comentário da atriz ou ela estava interpretando algum relato?
Então esse jogo acaba envolvendo também o espectador e aguçando sua curiosidade. Aquilo é realidade encenada ou interpretação? E quando alguém conta um fato - mesmo sendo verdadeiro - diante de uma câmera, essa pessoa não estaria, de certa forma, interpretando? São estas questões conceituais e filosóficas que elevam para outro patamar um filme que, a princípio, parece menos atraente do que os outros longas de Coutinho.
Jogo de Cena é um pouco prejudicado pelo fato de algumas das histórias relatadas não serem muito interessantes. Eduardo Coutinho é um exímio entrevistador e tem um jeito amável e descontraído de deixar seu convidado à vontade, o que faz com que ele sempre extraia o melhor de cada um. Mas, ainda assim, os relatos estão longe de ter a pungência dos mostrados em Edifício Master, só para citar um exemplo de outro filme de Coutinho. E isso causa um certo estranhamento, já que originalmente eram oitenta e três histórias que foram reduzidas a vinte e três. Qual terá sido o critério adotado? Ou será que o relato em si não importava e o foco era selecionar as passagens que representassem, de algum modo, maior desafio às atrizes?
Um dos grandes momentos do filme mostra Fernanda Torres “saindo” do personagem para falar sobre sua dificuldade em interpretar uma pessoa real. Muito sincera e avessa a estrelismos, a atriz fala sem rodeios ou pudores sobre seus próprios bloqueios. É em momentos como este que o filme cresce em densidade e entendemos porque Fernanda é uma grande atriz.
No geral, Jogo de Cena é um bom filme. E suas maiores qualidades vêm do que não é visto, ou seja, do conceito, do que não está em cena.
Jogo de Cena (idem), de Eduardo Coutinho, Brasil, 2006. 103’
Première Brasil / Hors-Concours
Nota : 7,5
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