Uma história de mistério. No coração deste mistério, uma mulher apaixonada e completamente atormentada.
As enigmáticas palavras acima foram a primeira sinopse divulgada, por ocasião do Festival do Rio, de Império dos Sonhos. Chamava a atenção o fato de usarem duas frases para descrever um filme de quase três horas. Após assistir a essa nova viagem de David Lynch, dá para entender o porquê.
Imaginem a seguinte abertura: chuviscos vindos de uma televisão fora de sintonia, numa alusão ao começo de Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer. Logo a seguir, uma mulher chorando (alusão ao Llorando de Cidade dos Sonhos?) assiste a uma esquisitíssima sitcom protagonizada por pessoas vestidas de coelhos que dizem frases dramáticas e desconexas enquanto uma claque ri descontroladamente. Aliás, essa sitcom bizarra é, na verdade, um curta chamado Rabbits (disponível na internet) que originalmente deveria preceder o filme.
Quando a personagem de Laura Dern entra em cena, parece que as coisas começarão a fazer sentido. E fazem… Por cerca de vinte minutos. Laura é a atriz Nikki Grace, que descobre que o filme que está prestes a rodar é, na verdade, remake de uma produção inacabada considerada maldita porque os protagonistas foram assassinados. A partir daí, à medida que o filme avança, a fronteira entre realidade, ficção e puro delírio será cada vez mais tênue.
Certamente não foi por acaso que David Lynch tocou no tema do remake. Ao longo dos tortuosos 172 minutos de Império dos Sonhos, tem-se a impressão de estar visitando a obra do cineasta. De uma maneira perversamente cubista, é claro. Personagens de filmes anteriores reaparecem, situações soam familiares, diálogos são reinventados. Tudo se aproveita, nada se encaixa. O espectador não sabe quando a atriz está dentro do filme. Nem ela mesma sabe. A iluminação no começo tem luz saturada, depois passa a ser avermelhada e escura. Os closes, dignos do bom surrealismo alemão, deformam o rosto dos atores. O estilo do filme e das interpretações passeia pelos gêneros cinematográficos: começa pelo artificialismo dos seriados antigos, flerta com o noir, bebe na fonte do dramalhão mexicano e usa música de terror. Às vezes, um de cada vez; outras vezes, tudo ao mesmo tempo.
É cansativo. Vamos ser francos. Depois de uns quarenta minutos, comecei a ouvir ocasionalmente os barulhos de assentos voltando à posição normal. Várias pessoas, em especial as mais idosas, abandonaram a sala de projeção. Um casal sai resmungando ruidosamente. Eu me mexia, muitas vezes derivava para pensar em outros assuntos, brigava com o cansaço. O próprio David Lynch declarou que inicialmente não sabia se Império dos Sonhos chegaria a se converter num filme.
Ele teve algumas idéias e resolveu filmá-las em digital, sem compromisso de que as cenas tivessem alguma seqüência ou ligação. O ponto de partida de tudo foi uma conversa que teve com Laura Dern, quando ela disse que seu marido era de Inland Empire (título original do longa) e o cineasta gostou do som da expressão. Aliás, uma cena interessante é quando a personagem de Dern vai num talk show comandado por uma perua inconveniente interpretada por Diane Ladd – sua mãe na vida real.
É claro que a obra de Lynch sempre foi marcada pelo bizarro, mas havia um forte sentido em todos os seus filmes anteriores. O polêmico Cidade dos Sonhos pode ser aberto a diversas interpretações, mas está longe de ser aleatório. Fica claro a interligação entre as duas metades do longa. Em Império dos Sonhos, o surrealismo predomina, tornando-o um filme hermético e no qual é muito difícil concentrar a atenção. Um exercício de paciência.
Ficha de Império dos Sonhos no Adoro Cinema
As enigmáticas palavras acima foram a primeira sinopse divulgada, por ocasião do Festival do Rio, de Império dos Sonhos. Chamava a atenção o fato de usarem duas frases para descrever um filme de quase três horas. Após assistir a essa nova viagem de David Lynch, dá para entender o porquê.
Imaginem a seguinte abertura: chuviscos vindos de uma televisão fora de sintonia, numa alusão ao começo de Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer. Logo a seguir, uma mulher chorando (alusão ao Llorando de Cidade dos Sonhos?) assiste a uma esquisitíssima sitcom protagonizada por pessoas vestidas de coelhos que dizem frases dramáticas e desconexas enquanto uma claque ri descontroladamente. Aliás, essa sitcom bizarra é, na verdade, um curta chamado Rabbits (disponível na internet) que originalmente deveria preceder o filme.
Quando a personagem de Laura Dern entra em cena, parece que as coisas começarão a fazer sentido. E fazem… Por cerca de vinte minutos. Laura é a atriz Nikki Grace, que descobre que o filme que está prestes a rodar é, na verdade, remake de uma produção inacabada considerada maldita porque os protagonistas foram assassinados. A partir daí, à medida que o filme avança, a fronteira entre realidade, ficção e puro delírio será cada vez mais tênue.
Certamente não foi por acaso que David Lynch tocou no tema do remake. Ao longo dos tortuosos 172 minutos de Império dos Sonhos, tem-se a impressão de estar visitando a obra do cineasta. De uma maneira perversamente cubista, é claro. Personagens de filmes anteriores reaparecem, situações soam familiares, diálogos são reinventados. Tudo se aproveita, nada se encaixa. O espectador não sabe quando a atriz está dentro do filme. Nem ela mesma sabe. A iluminação no começo tem luz saturada, depois passa a ser avermelhada e escura. Os closes, dignos do bom surrealismo alemão, deformam o rosto dos atores. O estilo do filme e das interpretações passeia pelos gêneros cinematográficos: começa pelo artificialismo dos seriados antigos, flerta com o noir, bebe na fonte do dramalhão mexicano e usa música de terror. Às vezes, um de cada vez; outras vezes, tudo ao mesmo tempo.
É cansativo. Vamos ser francos. Depois de uns quarenta minutos, comecei a ouvir ocasionalmente os barulhos de assentos voltando à posição normal. Várias pessoas, em especial as mais idosas, abandonaram a sala de projeção. Um casal sai resmungando ruidosamente. Eu me mexia, muitas vezes derivava para pensar em outros assuntos, brigava com o cansaço. O próprio David Lynch declarou que inicialmente não sabia se Império dos Sonhos chegaria a se converter num filme.
Ele teve algumas idéias e resolveu filmá-las em digital, sem compromisso de que as cenas tivessem alguma seqüência ou ligação. O ponto de partida de tudo foi uma conversa que teve com Laura Dern, quando ela disse que seu marido era de Inland Empire (título original do longa) e o cineasta gostou do som da expressão. Aliás, uma cena interessante é quando a personagem de Dern vai num talk show comandado por uma perua inconveniente interpretada por Diane Ladd – sua mãe na vida real.
É claro que a obra de Lynch sempre foi marcada pelo bizarro, mas havia um forte sentido em todos os seus filmes anteriores. O polêmico Cidade dos Sonhos pode ser aberto a diversas interpretações, mas está longe de ser aleatório. Fica claro a interligação entre as duas metades do longa. Em Império dos Sonhos, o surrealismo predomina, tornando-o um filme hermético e no qual é muito difícil concentrar a atenção. Um exercício de paciência.
Ficha de Império dos Sonhos no Adoro Cinema
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